O Brasil se viu numa situação em que foi necessária a abolição da escravatura. Objetos se tornaram seres humanos excluídos. Sem direitos políticos, sem posses, sem educação, um sem-número de sem(s). A situação que se seguiu ao fim da escravidão no Brasil não se endireitou até os dias de hoje, ao contrário, em grande parte se acentuaram os problemas. Como resolver essa questão? Nunca serão dadas condições mínimas de concorrência para estas pessoas (nesse nosso mundo globalizado capitalista)? Ou serão as práticas discriminatórias inclusivas a solução?
Têm-se uma questão de fundo muito importante que é a "inexistência de raças", para muitos, só há uma raça: a raça humana. Uma questão que envolve a legitimação de muitas teorias de exclusão: a história da Alemanha Nazista, o Apartheid sul-africano, a separação racial que havia na América (EUA). Essas teorias serviram para praticar os mais diversos crimes contra grupos de pessoas (tecnicamente falando, não eram crimes, pois eram institucionalizados), ou violências, abusos físicos e econômicos (e outros). Falseou-se a realidade para influenciar a coletividade para determinados fins (mas não vamos falar sobre isso). Se a questão é o problema da institucionalização das raças no Brasil, ou seja, oficialmente se está realizando uma separação das pessoas em nome de algo que talvez seja duvidoso cientificamente, qual seria a opção não segregadora racialmente? Pela cor da pele? Pela genealogia (depois de tantos anos)? A opção normalmente apresentada é também fruto de ficção, pelo menos no curto prazo: melhoria da educação básica, melhoria da saúde básica (infra-estrutura social), e outras como essas. Essas soluções tornam-se risíveis ao olharmos para os últimos anos: dez, vinte, trinta, quarenta, cinquenta anos de educação piorada constantemente e de saúde básica que não foi capaz de atender satisfatoriamente a população como um todo. Por que se deveria acreditar que isso mudará daqui pra frente. Quem faz esse tipo de proposta possui filhos em escolas públicas? Ou depende do SUS?
Parece-me que estatuto da igualdade racial deveria ser uma lei excepcional ou temporária. Com um marco final, ao menos, poderia-se trazer alguma condição de igualdade mínima há muito devida, e, atingido o seu objetivo, descartá-la do ordenamento jurídico, pelo seu caráter discriminatório. O fim de sua vigência poderia ser programado de acordo com alguns dados mínimos estatísticos, ou uma reavaliação periódica, ou até mesmo uma data final simplesmente. Sua ultratividade produziria resultados muito tempo após a sua saída do ordenamento.
Encerro com uma citação de Rui Barbosa: "A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam".
Pode-se usar esta citação tanto de maneira positiva: não permitir que mulheres carreguem peso da mesma forma que os homens, ou limitar o trabalho de crianças; quanto de maneira negativa: se há desigualdade entre os homens e alguns são inferiores, estes terão tratamento agravado.
Para não ser injusto, informo o
contexto:
Em tão breve trajeto cada um há de acabar a sua tarefa. Com que elementos? Com os que herdou, e os que cria. Aqueles são a parte da natureza. Estes, a do trabalho.
A parte da natureza varia ao infinito. Não há, no universo, duas coisas iguais. Muitas se parecem umas às outras. Mas todas entre si diversificam. Os ramos de uma só árvore, as folhas da mesma planta, os traços da polpa de um dedo humano, as gotas do mesmo fluido, os argueiros do mesmo pó, as raias do espectro de um só raio solar ou estelar. Tudo assim, desde os astros, no céu, até os micróbios no sangue, desde as nebulosas no espaço, até aos aljôfares do rocio na relva dos prados.
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.
Esta blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria.
Mas, se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um, nos limites da sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividade e perseverança. Tal a missão do trabalho.